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BARBOSA, LARA LEITE; TAKUSHI, Carla Yumi; SAWADA, Cintia Sayuri. Coleta de dados através de workshop participativo com desabrigados pela chuva em Eldorado. In: NUTAU, 9., 2012, São Paulo. Anais... SÃo Paulo: USP, 2012. p. 1-12.
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Resumo

O presente artigo apresenta uma coleta de dados realizada em Workshop Participativo com Desabrigados pela Chuva. Tal atividade foi parte da pesquisa de iniciação científica em andamento que visa uma análise conclusiva das entrevistas e experiências presenciadas junto a grupos sociais do município de Eldorado Paulista que coleta dados para a pesquisa principal ''Design Emergencial: Projeto de Mobiliário e Equipamentos para Abrigos Temporários com Grupos Afetados por Desastres Relacionados às Chuvas''. Localizado no Vale do Ribeira, uma das regiões do país que mais sofre com perdas relacionadas a inundações periódicas, devido aos seus condicionantes socioeconômico e geográfico, o município de Eldorado foi escolhido como local para estudo de caso das pesquisas. Utiliza a metodologia do design thinking, na medida em que envolve o trabalho colaborativo e interativo entre o criador, o objeto e a coletividade. PALAVRAS-CHAVE: entrevistas, enchentes, design thinking

Abstract

This essay presents data collection done during a Participatory Workshop with Flood Homeless. Such activity is a part of a scientific initiation research, which is in progress, and objectives a conclusive analysis from the interviews and experiences together with some social groups from the city, collecting information to the main research “Emergency Design: Furniture and Equipment Project to Temporary Shelter with Communities Affected by Flood Disasters”. Located in the region of Ribeira Valley, one of the top affected areas in the country by rain floods, mainly due to its socioeconomic and geographic conditions, the municipality of Eldorado Paulista was chosen as a place for this study of case. This research uses the design thinking methodology, in way that involves a collaborative work between creator, object and collectivity. KEYWORDS: interviews, flood situation, design thinking A METODOLOGIA DO DESIGN CENTRADO NO HOMEM E O DESIGN THINKING O presente artigo apresenta resultados de uma pesquisa de iniciação cientifica desenvolvida no grupo de pesquisa NOAH - Núcleo Habitat sem Fronteiras, coordenado pela professora orientadora deste trabalho. É financiada por uma bolsa para alunos de graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAUUSP, oferecida pela Fundação para Pesquisa em Arquitetura e Meio Ambiente – FUPAM, com início em novembro de 2011 e término em novembro de 2012. O grupo atualmente conta com quatro bolsistas de iniciação cientifica que colaboram com levantamento de dados para a pesquisa principal, sendo que o presente trabalho explora o tema da metodologia de design centrado no homem objetivando a catalogação de informações sobre as reais necessidades e anseios de habitantes de locais suscetíveis a inundações. Nos campos do design, arquitetura e construção existe a procura cada vez maior pela aproximação com o usuário final, este que vai vivenciar e julgar, por exemplo, os aspectos ergonômicos de uma cadeira ou o conforto térmico de uma edificação. A metodologia de design centrado no homem tem suas raízes fundamentadas no livro Designing for people, escrito em 1955 por Henry Dreyfuss. e foi posteriormente desenvolvida por vários autores que agregaram conceitos e lapidaram o que hoje se entende por esta metodologia. Por exemplo, o IDEO, um dos principais centros de Design e consultoria que tem exercido influência ao redor do mundo atualmente, adaptou tal método e o utiliza em suas propostas de inovação em conceitos e comportamento do profissional em seu processo criativo. Chamado de design thinking, termo cunhado por David Kelley, professor da Universidade Stanford, no Vale do Silício, Califórnia e também fundador da IDEO, este método de inovação vem sendo difundido pelo mundo afora. Adotamos tal metodologia para organizar a coleta de dados no workshop. O design thinking propõe como estratégia de criação buscar, entre outros meios, a aproximação com o usuário na sua relação com o projeto a ser concedido, através da compreensão das suas experiências, comportamentos, necessidades e percepções. Subdividido em quatro categorias, que correspondem às maneiras de causar empatia nas pessoas, o método propõe: aprender, procurar, perguntar e testar. São exercícios diferenciados de relações entre aquele que produz a solução e aquele que a procura, que de forma organizada deixam aflorar padrões em detalhes não captados por uma análise à distância. Antes de chegar à implementação o projeto passa por etapas essenciais de idealização, inspiração e, não menos importante, certa carga de referências. Assim, a comunicação que se estabelece fora da zona de conforto do criador leva ao aprender, procurar, perguntar e testar, ou seja, ao aprendizado de outras formas de comportamento, à curiosidade por detalhes antes não percebidos, a conclusões dadas pelos próprios usuários e à oportunidade de sentir com eles as mesmas experiências (BROWN, 2010). ATIVIDADES E ENTREVISTAS COMO MEIO DE APROXIMAÇÃO Objetivando o design colaborativo ou crowdsourcing, na qual, dos estágios de criação, são retiradas as rotulagens de “consumidores”, “clientes” ou “usuários”, de forma que todos os participantes são considerados ativos no processo, esta pesquisa trabalha com a elaboração de um roteiro de entrevista para a coleta de informações junto aos grupos sociais vulneráveis aos impactos de eventos associados às chuvas. Como espaço amostral foi escolhida a comunidade do município paulista da Estância Turística de Eldorado, na região do Vale do Ribeira. A região do Vale é conhecida pela sua baixa urbanidade e limitados recursos financeiros, sendo a maior parte da população residente em áreas rurais e ocupadas com atividades agropecuárias, sendo a mais importante delas a bananicultura. Acometida por períodos frequentes de inundação por conta das cheias do rio Ribeira de Iguape, o município escolhido, que também não foge à regra das comunidades da região, possui uma infraestrutura precária para estas situações, tornando-se muito suscetível. A comunicação direta e permanente com essa comunidade sujeita à situação das enchentes é um processo etnográfico e de grande peso sobre o entendimento das necessidades e motivações de quem periodicamente sofre grandes perdas, dentre elas as materiais, no que diz respeito à sua habitação como um todo. Para esta pesquisa são esperadas informações de aspectos qualitativos diversos, mas dois serão tomados e aprofundados com maior atenção. Primeiramente a questão dos fatores humanos e ergonomia da habitação, ou seja, como o morador lida com as dificuldades encontradas no espaço que sua casa dispõe, se é satisfatória a metragem restante para a circulação, e no que isso acarreta como consequência para a situação patológica do usuário. A relação entre aspectos de conforto e a saúde do corpo humano é direta, de forma que os cuidados com o design ergonômico são tomados como de alta importância em todos os segmentos da produção industrial. “A necessidade espacial não é um simples número de área equacionado por x pessoas ou a definição de um dimensionamento mínimo por cômodo. Na realidade existe uma interação de muitas variáveis, e a percepção de espaço pode ser afetada pela atividade a ser desenvolvida, pelos costumes e hábitos no uso do espaço, pelas características físicas de determinado espaço, e mesmo pelo mobiliário que está equipando este espaço.” (FOLZ, 2003). Em segundo lugar, como é lidar com a situação das enchentes. Sabe-se que atualmente não se restringe aos leitos dos cursos d’água. A falta de saneamento e a crescente impermeabilização dos centros urbanos comprometem muito a integridade de casas, edifícios, vias e equipamentos públicos. As perdas materiais ocasionadas pelas inundações são de grande prejuízo para a população afetada, esta que na maior parte das vezes carece de condições financeiras para mudar-se. Os móveis, bem como a própria casa, fragilizam-se a cada incidência de inundação, isto, quando não se tornam inutilizáveis ou oferecem perigo aos usuários. A primeira atitude quando da ocorrência de uma inundação por parte do morador é tentar livrar seus pertences do contato com a água, a lama e a sujeira, procurando empilhar os volumes na medida em que sobe o nível d’água, constituindo uma situação de caos e, em muitos casos, a ameaça à própria vida, visto que muitos hesitam em abandonar suas casas por receio de saques. Em Agosto de 2011, a prefeitura do município de Eldorado decretou estado de calamidade pública por conta da enchente que submergiu 70% da cidade e acarretou prejuízo estimado em 30 milhões de reais. (Disponível no Website da Agência Estado Acesso em 30/08/2011). WORKSHOP COLABORATIVO COM TRÊS ATIVIDADES Um workshop denominado “1º Workshop NOAH - Experiência Participativa com Desabrigados pela Chuva” foi realizado no dia nove de Dezembro de 2011 utilizando-se de quatro atividades interativas e a metodologia do design thinking para uma primeira aproximação entre as pesquisadoras, membros das comunidades atingidas pelas cheias e membros da Prefeitura Municipal, da Defesa Civil municipal e estadual (COMDEC e CEDEC), do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), do Serviço Social (técnicos CRAS e do Fundo Social) e do Sistema de Informações Geográficas do Ribeira de Iguape e Litoral Sul (SIG-RB). A primeira atividade teve como objetivo estudar as interações sociais da comunidade em abrigos temporários, buscando entender as pessoas, seus comportamentos, percepções e necessidades para gerar requisitos de projeto. Os grupos, organizados de forma mista, montaram infográficos sobre a sequência de acontecimentos da última inundação, correspondente à primeira semana do mês de Agosto do mesmo ano. Se utilizando de cartões com palavras-chave e figuras com possíveis atividades cotidianas ou situações que podem ter surgido durante o convívio nos abrigos, os participantes montaram o infográfico de modo prático e dinâmico, satisfazendo os objetivos da proposta sem afetar a consistência e nível de detalhamento dos dados adquiridos. Figura 1: Infográfico elaborado pelos participantes reunindo a sequência dos acontecimentos referente à enchente de Agosto de 2011. A segunda atividade, com o mesmo objetivo da primeira, bem como entender as atividades cotidianas na situação de desastre, sugeriu a montagem esquemática dos abrigos- que, no caso do município, foram improvisados em espaços de escolas e creche, igreja, centro comunitário e APAE- e o relato de como eram as diferentes ações cotidianas num mesmo espaço (como tomar banho, dormir, brincar, alimentar-se) nessas situações atípicas, mesmo que frequentes em toda ocorrência de inundação na cidade. Utilizando os mesmos recursos, com a ajuda das pesquisadoras, foram desenhadas plantas esquemáticas dos espaços que serviram como abrigos na última enchente, e sobre elas foram adicionadas fichas indicando ações cotidianas, indicando os espaços em que estas se davam. Ademais, também foram acrescidas informações subjetivas, como impressões, percepções pessoais ou emoções despertadas nesta situação de convívio forçado. Figura 2: Planta esquemática dos abrigos utilizados na enchente, relacionando espaços e atividades cotidianas A terceira atividade, com o objetivo de diagnosticar as necessidades de abrigos de emergência e pedidos específicos para situações de enchentes, consistiu na narrativa dos participantes em torno da experiência pretérita de desalojamento e desabrigo e suas recomendações caso novos abrigos tenham que ser montados. Para tanto, foram elaboradas perguntas objetivas, cujos comentários foram gravados e transcritos. Como parte do registro de entrevistas, o encerramento desta atividade deu-se pelo questionamento do que poderia ser feito para melhorar o uso de futuros abrigos a partir das experiências que vivenciaram como desabrigados. Aos participantes era sugerida a condução as atividades com o mínimo de intervenções ou indução de respostas por parte das pesquisadoras, sendo estas integrantes passivas, mediando os grupos apenas quando necessário. O produto das atividades, portanto, não se limitou apenas ao que foi documentado, mas também evidências não verbais, ou seja, sensoriais, pelo simples contato que se estabeleceu ali. Em adição à gravação dos comentários a respeito da estadia nos abrigos e recomendação sobre futuros, os participantes foram convidados a responder questionários objetivos com questões a respeito da vulnerabilidade estrutural das suas residências e também da vulnerabilidade humana a que seus familiares estão sujeitos quando da decorrência das enchentes. RESULTADOS DO WORKSHOP Para os moradores do município de Eldorado, significou a oportunidade de compartilhar suas experiências não só com o grupo de pesquisa, mas também entre vizinhos e mesmo pessoas de outros bairros que tiveram os mesmos abrigos como destino, compreendendo a universalidade do caráter de desastres dessa categoria e refletindo em coletividade sobre as imprudências cometidas até então e sobre possíveis soluções para as próximas ocorrências. A última inundação atingiu 70% da área do município e ocorreu no mês de Agosto de 2011, período atípico para grandes chuvas, de acordo com os moradores. Ainda de acordo com eles, estima-se que cerca de 1.000 pessoas ficaram desabrigadas e um montante ainda maior, cerca de 7.500, desalojadas. Os depoimentos e infográficos realizados no workshop mostraram-se importantes meios de documentação de padrões de comportamento, evidenciando por vezes ações genuinamente instintivas em situações de perigo e fuga, seja procurando locais mais elevados com pertences básicos como roupas, remédios e mobiliário; saindo à procura de parentes ou mobilizando conhecidos para resgates e arrecadação e triagem de doações. Também evidenciou o descontentamento coletivo com relação à falta de comunicação e infraestrutura neste caso emergencial. O socorro de pessoas ilhadas e a assistência nos abrigos, que foram improvisados às pressas, foram dificultados por atraso de alertas e informações, adicionados à perda de sinal para comunicação telefônica e energia elétrica. A falta de abastecimento de água potável, itens de higiene pessoal e colchões também foi consenso entre os grupos. Eventos que fogem à normalidade são levados em conta e considerados de grande importância para a pesquisa, inclusive, pois revelam o mesmo comportamento humano, mas levado a uma situação adversa. Chamou a atenção dos presentes o caso de um morador que se abrigou em um posto de gasolina, por exemplo. O local dispunha apenas de uma pequena sala, ao lado dos sanitários públicos e um chuveiro, o que foi suficiente para aquela pessoa adotá-lo como abrigo. A terceira atividade realizada no workshop foi mais objetiva, e pedia no formato de questionário a descrição das residências dos moradores. A formação estrutural da casa, tanto no que diz respeito ao seu revestimento como na sua localização, em adição à formação familiar, com a presença ou não de idosos, crianças ou portadores de deficiências, define diferentes níveis de vulnerabilidade quando da ocorrência de catástrofes relacionadas a chuvas. A organização dos dados coletados, e também por próprio depoimento dos moradores durante o evento, mostrou que mesmo que as cheias sejam frequentes e a cidade já tenha enfrentado outras situações de magnitude tão grande quanto a última, como a ocorrida em 1997, os moradores insistem em permanecer em suas casas, não procurando locais alternativos mais seguros. Realizam, no entanto, algumas modificações para preservar a sua habitação e minimizar as perdas, tais como revestimento de azulejo e tinta impermeável nas paredes externas, e também pequenas obras como armários em alvenaria, que dispensa o uso dos feitos em madeira, material não resistente à umidade. Térrea 1 1 ou mais pavimentos Móvel 1 Rebaixada 1 5 Gráfico 1: Tipo de habitação Abaixo do nível da rua n < 0,50m No nível da rua n = 0m Acima do nível da rua n > 0,50m 0 Não informado 1 4 4 Gráfico 2: Nível do primeiro piso habitado Gráfico 3: Revestimentos laváveis em ambientes internos e externos REFLEXÕES EM CONJUNTO A abertura de um espaço para o compartilhamento de experiências pessoais e profissionais com as cheias do município de Eldorado despertaram a curiosidade, a memória, o senso crítico e, mais importante, a confiança dos participantes ao conceder à pesquisa informações de momentos sensíveis, como a perda do lar. Deste modo, o questionamento “O que poderia ser feito para melhorar o uso de futuros abrigos?” serviu como conclusão, ou seja, uma forma de organização de todas as informações anteriores ali registradas, como ricas referências para a proposta de sugestões por parte dos próprios afetados. Além do consentimento da falta de comunicação como principal entrave presente na última enchente, um grande problema está na infraestrutura do município. Com escassos recursos financeiros, mesmo com chuvas frequentes e a grande catástrofe de Agosto do último ano em Eldorado ainda prevalece a máxima “cada um por si”. Grandes obras de infraestrutura como a construção de barragens de contenção e barracões próprios para a função de abrigo não poderiam deixar de ser citadas, mas soluções mais simples aparentam ser totalmente viáveis. Uma delas seria a marcação do nível da água com relação ao nível do rio Ribeira ao longo de vias, sinais que servirão de alerta para fuga aos moradores antes de atingi-los em suas residências. As propostas seguiram principalmente a linha de pensamento de que os eldoradenses insistem em permanecer em suas casas, mesmo com o conhecimento de que estão em áreas de risco de inundações. Deste modo, muito se falou sobre medidas de melhora dos abrigos e cuidados com os desabrigados, como a manutenção de estoques de itens de doação, ou o treinamento de pessoal para atender mais rapidamente nos resgates e nos abrigos. O resultado atendeu às expectativas do projeto como primeiro contato com a população de Eldorado, na medida em que a diversidade de perspectivas para esse mesmo problema ampliou a percepção das possíveis soluções para o projeto. É bastante relevante citar que se estimulou a motivação da população a discutir os problemas e soluções dos abrigos, procurando criar um efeito “bola de neve”, onde quem participou conte para outras pessoas e instigue futuras colaborações não apenas nas atividades d
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