Mais informações

BARBOSA, LARA LEITE. Design emergencial: uma experiência participativa com desabrigados pela chuva. In: NUTAU, 9., 2012, São Paulo. Anais... SÃo Paulo: USP, 2012. p. 1-18.
Clique no nome do(s) autor(es) para ver o currículo Lattes:

Dados do autor na base InfoHab:
Número de Trabalhos: 1 (Nenhum com arquivo PDF disponível)
Citações: Nenhuma citação encontrada
Índice h: Indice h não calculado  
Co-autores: Nenhum co-autor encontrado

Resumo

Este artigo apresenta resultados iniciais de uma pesquisa que visa desenvolver projeto de Mobiliário e Equipamentos para a prática de reabilitação em abrigos temporários, com Grupos Afetados por Desastres Relacionados às Chuvas. A pesquisa visa compor um projeto piloto para a cidade de Eldorado, cuja proposta possa ser replicada em outras cidades do vale do Ribeira. Nesta parte da pesquisa obtivemos indicadores coletados a partir de uma experiência participativa das pessoas que recorrentemente ficam desabrigadas em Eldorado. Os grupos afetados auxiliaram na coleta de dados em três objetivos específicos. O primeiro foi diagnosticar as necessidades de abrigamento emergencial e as solicitações específicas em situações de desastres relacionados às chuvas. O segundo foi desenvolver estudos sobre as interações sociais de uma comunidade temporária, visando à compreensão das pessoas, de seus comportamentos, percepções e necessidades que forneçam subsídios aos requisitos de projeto. Finalmente, o terceiro foi propor e experimentar o processo de design centrado no homem através da participação colaborativa das pessoas envolvidas para criação de mobiliário e equipamentos para situações emergenciais. Para conseguir os resultados pretendidos, este estudo adota a metodologia do design thinking a fim de determinar os instrumentos principais de coleta que possam gerar insumos ao projeto. A pesquisa foi realizada com base qualitativa, cujo roteiro previa três partes. No primeiro estágio são entrevistas sobre suas aspirações em torno de territórios mais seguros. No segundo estágio são relatos sobre a vida cotidiana nos abrigos. No terceiro estágio são estudos sobre as condições de vida e hábitos da comunidade durante as enchentes. Desta forma, o artigo apresentará sua metodologia, demonstrará sua aplicação e indicará caminhos que podem levar ao design localmente engajado. O procedimento de projeto elaborado a partir das aspirações de um grupo colaborativo com vivência na situação emergencial de enchente garante resultados que apresentam maior fidelidade aos aspectos e características locais. PALAVRAS-CHAVE: desabrigados pelas chuvas, workshop participativo de design, abrigos temporários. TITLE: Emergency Design: A participatory design experience with shelterless people displaced by flooding

Abstract

This paper presents the initial results of a research focused on Furniture and Equipment Design for Temporary Shelters to Groups Affected by Disasters Related to Rainfall. The research goal is to develop a model project for Eldorado, feasible to be replicable in other cities of the same region. At this stage, data was collected during participatory workshops involving shelterless people of the recurrent floods within this region. The affected group assisted mainly on the obtaining data in three specific issues. The first one is to diagnose the needs of emergency shelter and the specific requests in disaster situations related to rainfall. The second goal is to develop studies on the social interactions of a temporary community, aimed at understanding people, their behaviors, perceptions and needs to provide subsidies to the project requirements. Finally, the third goal is to propose and to experiment the process of human-centered design through the collaborative participation of the people in order to obtain reliable data to create furniture and equipment for emergency situations. To achieve the desired results, this study is based on methodologies of design thinking to determine the main collection instruments that can generate inputs to the project. The survey was conducted based on qualitative research divided in three stages. The first stage is interviews addressing regional security. The second stage is reports on living in shelters. The third stage is studies into the living conditions and habits of the community during floods. Therefore, this article will present the methodology, show its application, and indicate the paths that can lead to locally engaged design. This design process, based on the needs and desires of a group of people whose life is periodically affected by floods, ensures more faithful results regarding local characteristics. KEYWORDS: Homeless by Flooding; Participatory Design Workshop; Temporary Shelters. CONTEXTO DA PESQUISA Trata-se de uma etapa da pesquisa principal intitulada Design Emergencial: Projeto de Mobiliário e Equipamentos para Abrigos Temporários com Grupos Afetados por Desastres Relacionados às Chuvas, desenvolvida no Departamento de Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, no Brasil. Caracterizado com um perfil interdisciplinar, o grupo conta com arquitetos e colaborações de profissionais convidados que pontualmente atuam em atividades desenvolvidas pelo grupo para a contribuição em partes da pesquisa principal. O objetivo da pesquisa que será desenvolvido junto ao grupo coordenado pela autora é conceber um projeto piloto, tendo como estudo de caso a cidade de Eldorado, localizada ao sul do Estado de São Paulo, no Brasil, com aproximadamente 15.000 habitantes, cuja proposta possa ser replicada em outras cidades do Vale do Ribeira, constantemente afetadas pelas chuvas. Intervenções urgentes são necessárias porque as enchentes frequentemente desalojam e desabrigam sua população. São discutidas maneiras de prevenir e remediar a prática de reabilitação em abrigos temporários, minimizando as consequências negativas dos desastres relacionados às chuvas. Como resultado, são esperados estudos de possíveis implantações de abrigos temporários e outras instalações necessárias para o atendimento a desastres incluindo projeto de mobiliário e equipamentos. Para o desenvolvimento desta proposta, durante o primeiro e o segundo ano da pesquisa se realizarão os estudos e levantamentos que fundamentarão os requisitos do pro jeto p reliminar , envolvendo a participação colaborativa de um grupo de desabrigados em decorrência de enchente. N o terceiro e no quarto ano da pesquisa, se realizarão as etapas relativas à elaboração do p rojeto e da v erificação experimental com t estes em m odelos tridimensionais, s imulações e avaliações novamente com grupos colaborativos. Os resultados deste projeto serão analisados segundo parâmetros relativos à sustentabilidade. A pesquisa atualmente está em seu segundo ano, quando são desenvolvidos estudos para diagnosticar o tipo de intervenção mais adequada que possa proporcionar mudanças significativas para a população. Na fase relatada neste artigo, propusemos um workshop onde foram coletadas informações junto a um grupo colaborativo com vivência na situação emergencial de enchente em Eldorado. Figuras 1 e 2: Mapas com localização da cidade em relação à América Latina e do Vale do Ribeira no Estado de São Paulo. Fonte: Desenhos da aluna do grupo NOAH Júlia Ramos Polli, 2011. DESIGN DO WORKSHOP PARTICIPATIVO Para que a colaboração aconteça, é preciso planejar uma estrutura que permita a coleta de informações junto aos grupos sociais vulneráveis aos impactos de eventos associados às chuvas. A maneira mais adequada de se realizar esta atividade de uma forma concentrada, uma vez que as pesquisadoras não residem no local de estudo de caso, é a organização de um workshop. É necessário definir os elementos que criam o contexto do projeto: Quais as pessoas que fazem o projeto acontecer? Quem solicita uma solução? Para quem o projeto se destina? O que é o ambiente no qual será inserido o projeto? Assim, delimitamos os participantes a fim de entender os atores e seus devidos papéis no projeto. Em primeiro lugar, as pessoas que fazem o projeto acontecer são os pesquisadores do NOAH, Núcleo Habitat sem Fronteiras, grupo de pesquisa da FAU-USP coordenado pela profa. dra. Lara Leite Barbosa e os pesquisadores do SIG-RB, coordenados pelo prof. dr. Arley Macedo. Podemos citar o auxílio do coordenador da Defesa Civil Municipal Edson Ney Barbosa para a divulgação do evento na cidade de Eldorado. Nesta etapa de aplicação da metodologia de design centrado no homem, colaboraram do grupo NOAH as alunas Carla Yumi Takushi e Cintia Sayuri Sawada, através da preparação do evento e da constituição sistematizada de banco de dados de imagens, dados de entrevistas e de questionários, orientadas pela profa. dra. Lara Leite Barbosa, responsável pela organização e concepção geral do workshop. Os alunos colaboradores do projeto FEHIDRO orientados pelo do projeto, prof. Arley Macedo, que prestaram assistência durante o workshop foram Wagner Isaguirre do Amaral, arquiteto, e Marcelo da Silva, professor de geociências e educação ambiental. Quem solicita uma solução é a prefeitura de Eldorado, composta pelo prefeito Donizete de Oliveira, o chefe da defesa civil Edson Barbosa, o Departamento de Assistência Social e o CRAS, cuja coordenadora era, até aquela data, a psicóloga Apoliana Fortes; o Departamento de Educação que conta com a supervisora de ensino Maria Escolástica Oliveira; o Fundo Social de Solidariedade, representado por Charton Fromes; entre outros. O projeto se destina aos habitantes que constantemente são afetados por enchentes em Eldorado. Destacaram-se nesta atividade participativa os moradores Ricardo Chimichaque, lavrador que ficou abrigado em seu veículo durante a última enchente; Pedro Luiz Ribeiro, trabalhador autônomo que se abrigou em posto de gasolina próximo de sua casa; Leonardo Neto, comerciante que ficou em edifício público adaptado, O ambiente no qual será inserido o projeto se caracteriza por uma delicada situação de desastre, onde as pessoas se encontram fragilizadas e o que está em risco são suas próprias moradias. LEVANTAMENTO DE DADOS EM TRÊS AÇÕES PRIMEIRA AÇÃO: ENTREVISTAS VISANDO TERRITÓRIOS MAIS SEGUROS. Nesta atividade foram aplicadas entrevistas guiadas por um roteiro de questões sobre suas aspirações por territórios mais seguros. Tais perguntas e questionários foram respondidos coletivamente por dois grupos com a duração de trinta minutos cada. O objetivo foi diagnosticar as necessidades de abrigos de emergência e pedidos específicos para situações de enchentes. Foram elaborados dois tipos de questionários, pois dois grupos distintos foram identificados entre os participantes: pessoas que trabalharam por órgãos públicos, que poderiam informar sobre os procedimentos adotados pela prefeitura, DAEE, assistência social, defesa civil, entre outros, e moradores afetados, que poderiam dar depoimentos de suas experiências sobre o atendimento recebido em casa ou no abrigo, bem como suas dificuldades na ocorrência da enchente. A entrevista também se divide em duas partes, uma para as pessoas que trabalharam por órgãos públicos e outra, com perguntas com o mesmo tema, porém diferentes, para os moradores que ficaram desabrigados. A partir da coleta feita com os representantes dos órgãos públicos selecionouse as questões mais relevantes para apresentar neste artigo. A questão sobre planejamento preventivo foi respondida pelo tenente Emilio Ornelas Martins, da divisão de Gerenciamento- CEDEC. Ele contou que a Defesa Civil se estrutura em três patamares diferentes: no nível nacional, estadual e municipal. Inicialmente, as responsabilidades são atribuídas a nível municipal, que pedem ajuda as outras instâncias quando não conseguem atender as demandas. O planejamento municipal ainda está sendo elaborado, mas não existe. O que há é a nível de Estado, o que causa um problema de desconhecimento local, pois é muito amplo. Com relação ao que é fornecido para os desabrigados, a defesa civil do Estado de São Paulo tem quatro estoques para gerenciamento de emergências, os quais visam o atendimento do estado inteiro. Tem colchões, cobertores, lençóis, agasalhos, calçados (um tênis tipo Conga antigo), lonas plásticas para locais de erosão, material de limpeza que é essencial e cestas básicas (gerenciadas com prazo de validade de seis meses). Quando a enchente abrange quase todo o município, que é o caso das maiores, não há colchão disponível para atender a doação necessária ao número total de desabrigados. A liberação desse material para o município é mediante a situação de emergência, por isso pode chegar apenas no dia seguinte. Há problemas e dificuldades de logística, por exemplo, o estoque regional não tem uma capacidade grande de armazenamento para ser distribuída para cidades pequenas, como no caso de Eldorado. Outro problema é a extensão do município, pois há bairros distantes cerca de cinquenta quilômetros uns dos outros, por isso contam com a ajuda dos voluntários para as entregas. Iniciativas de Igrejas que recebem doações são interessantes quando eles realizam uma triagem prévia, selecionando apenas os produtos que possuem qualidade. Isso porque muitas pessoas doam lixo, comida vencida, roupas sujas, peças quebradas que somente exigem um tempo extra dos voluntários para descartar o que não serve para os desabrigados. Tal fato aconteceu em Santa Catarina, Alagoas, Haiti, enfim, é muito comum. Algumas respostas fornecidas por moradores que ficaram desabrigados demonstram atitudes de improviso e despreparo. Quando perguntei sobre as alterações que os moradores fizeram em sua casa para se preparar no caso de surgir uma nova enchente, a reação é de esquecimento. Uma moradora conta que estocava caixas de papelão para ter onde guardar as coisas quando fosse ocorrer o desastre. Como medida definitiva, a moradora se mudou para um local mais alto, portanto mais seguro e saiu da área de risco. Sobre o que farão no caso de ficar desabrigado pelas chuvas novamente, confirmam a informação da prefeitura, dizendo que irão para onde já conhecem. Reclamam que quando acontece a enchente, às vezes aqueles que moram em áreas mais distantes do rio ficam sem informação no começo, pois os mais afetados saem antes e já correm para os abrigos conhecidos. Dependendo da escala da enchente, novos moradores são afetados e pegos de surpresa. Estes são os que não sabem o que fazer para se abrigar pois ficam ilhados. Um dos moradores, Pedro Luiz Lara Ribeiro, relatou o desespero que passou porque não conseguiu um abrigo para sua própria família. Eles se instalaram em um posto de gasolina com um fogão e o que mais conseguiram levar de sua casa. Comeram, dormiram e usavam o banheiro dos funcionários como abrigo improvisado em dois anos que precisaram deixar sua casa devido à enchente. SEGUNDA AÇÃO: REPRESENTAÇÕES SOBRE A ROTINA NOS ABRIGOS. Os exercícios destacaram as características dos abrigos que pudessem dar subsídios para entender como os moradores realizam as atividades cotidianas na situação de desastre. Foram realizados dois grupos simultâneos que elaboraram o desenho das plantas para localizar onde e como era a rotina nos abrigos, segundo a descrição dos participantes. Através de peças fornecidas por nós, os participantes distribuíram as seguintes categorias de cartas em espaços que simulavam a planta do abrigo e preencheram com emoções, descrições de materiais, lembranças: 1-deitar-se ou dormir; 1- sentar-se; 2-trabalhar; 2- estudar; 3- festejar o aniversário, ou outro motivo; 3- reunir amigos; 4- ler, 4- tocar instrumentos; 4- ouvir música, 4- assistir à TV, 4- brincar ou jogar; 5- exercitar-se, 5-preparar e/ ou consumir alimentos 5- cozinhar; 6- estocar ou dependurar recursos e pertences; 7- lavar as mãos; 7- escovar os dentes; 7- banhar-se; 7- defecar, urinar; 7- lavar as roupas; 7- secar e passar roupas; 8- trocar de roupas; 8- curar machucados ou doenças; 8- proteger a família; 8- ficar sozinho. Como regra geral, normalmente há mais desalojados do que desabrigados, pois a maioria das pessoas ficam hospedadas em casas de conhecidos e familiares e não precisaram ficar nos abrigos. Outras simplesmente ficam ilhadas e, por não terem como se deslocar do local onde se encontram quando a água atinge suas casas, se refugiam no ponto mais alto que tenha alguma proteção, como nos casos de pessoas que ficaram em postos de gasolina ou no próprio carro. Porém, o foco desta pesquisa são os abrigamentos coletivos que vem ocorrendo em edifícios públicos. Identificamos alguns espaços que são frequentemente adaptados para o uso de abrigo emergencial em Eldorado: o Centro Comunitário, as Escolas Jaime Paiva, Viana e Lilian, a Creche Municipal, a Igreja do Alto da Parabólica, o Salão Paroquial e da APAE. Nesta atividade, as pesquisadoras esboçaram as plantas dos edifícios com anotações elaboradas a partir dos depoimentos dos participantes. Dois grupos distintos contribuíram para a formação das seguintes constatações: No Centro Comunitário o espaço foi subdividido por móveis trazidos pelos moradores e por lençóis, para a separação das cinco famílias que lá se instalaram. Foram relatados saques e roubo de cestas básicas. Na ação "trabalhar", foi dito que a carga horária dos que se dispunham a ajudar era maior do que a normal, e eles abriram mão da limpeza das suas casas para atender à limpeza pública ou de casas de terceiros. A ação "reunir amigos" foi riscada, e sobre ela foi escrito "impossível". Sobre "estudar", as aulas foram paralisadas, e as escolas transformadas em abrigos. Para as crianças, "brincar e jogar", acontecia dentro do abrigo com uso de equipamentos eletrônicos como o playstation ou do lado de fora com brincadeiras de rua. No banheiro, foram associadas ações como "urinar", "lavar as mãos", "ficar sozinho" e "escovar os dentes", destacando que se formavam filas para o uso das pias. Sobre "curar machucados ou doenças", foi dito que os feridos e doentes eram encaminhados para postos de saúde e para a Santa Casa. O Salão Paroquial foi ocupado por oito famílias, ou seja, cerca de trinta pessoas e o espaço também foi dividido pelos móveis que trouxeram. A circulação era difícil, pois a disposição era aleatória, formando um labirinto para quem passava. Além do mais, moradores trouxeram cinco cachorros e dois gatos para dividir o já exíguo espaço. Todos compartilharam um único sanitário disponível sem água quente, ainda que havia outro sanitário não liberado para uso. Havia uma casa Paroquial anexa, a qual abrigou a família católica da própria secretária que lá trabalha, desfrutando de privilegiada privacidade. O Salão da APAE, que possui dois cômodos, foi ocupado por uma família com cinco pessoas de um lado e quatro famílias com cerca de vinte pessoas do outro. Neste caso que ilustra uma apropriação de um edifício de pequeno porte, os banheiros feminino e masculino com cerca de três chuveiros em cada, foram adaptados para comportar os desabrigados. Na escola Jaime Paiva, as famílias puderam alojar-se individualmente em cada sala de aula. Além da distribuição da merenda escolar, cozinhas estavam disponíveis para os desabrigados para o preparo coletivo de alimentos. A limpeza do local ficou a cargo dos moradores desabrigados que não tiveram problemas quanto a isso. Um ponto fraco foi a ausência de local para os animais. Os banheiros tinham uso coletivo. Estabelecida a prioridade para famílias com idosos e crianças, a Defesa Civil forneceu colchões, cobertores e camas desmontadas. Devido a falta de utensílios de higiene pessoal, como escovas de dentes e absorventes íntimos, contavam com as doações para suprir esta carência. Cada abrigo oferece diferentes condições, como por exemplo, a escola Jaime Paiva e a Creche Municipal tinham mesas e cadeiras, cozinheiras, utensílios de cozinha e havia merendas sem problemas de abastecimento. Em certos locais havia disputa por espaço e alimento e todos tinham que lidar com a falta de privacidade. As crianças, sem percepção desses limites, chegavam a mexer nas coisas dos outros. Alguns querem transpor para o ambiente coletivo do abrigo seus hábitos pessoais e familiares sem se importar com o incômodo que causavam nos outros, como a convivência com animais ou mesmo a prática de sexo. Puderam contar com um serviço de merendeiras disponibilizado pela prefeitura. Mesmo assim, alguns reclamavam da qualidade da comida e ofendiam as cozinheiras. Percebe-se que querem ser servidos individualmente, não ter de se preocupar com o preparo dos alimentos e nem dividí-los. Especialmente quanto à infraestrutura lembramos que não havia água nem energia na cidade do segundo ao quarto dia da enchente. Eles relataram que foi necessário o uso de velas e lanternas durante a noite. Receberam a orientação de economizar o máximo possível de água potável disponível, pois seu uso era quase exclusivamente para o preparo de alimentos: a quantidade de banhos foi reduzida, assim como o gasto com a higiene pessoal e não lavavam as roupas. A escolha dos melhores lugares para se abrigar se dá por ordem de chegada: quem é atingido primeiro pela enchente vai para o abrigo e são os próprios moradores que organizam o uso dos espaços. As assistentes sociais não conseguem auxiliar a todos, pois são uma pequena equipe de três mulheres que existe para acompanhar as acomodações nos abrigos. Através desta atividade pudemos dimensionar parte das necessidades segundo os espaços utilizados. Comparando com eventos anteriores, a escala dos atingidos e a duração do abrigamento varia pouco nesta cidade marcada pela repetição deste caos. TERCEIRA AÇÃO: ESTUDOS SOBRE CONDIÇÕES DE VIDA E HÁBITOS DA COMUNIDADE DURANTE A ENCHENTE Está prevista uma visitação aos abrigos temporários para um breve convívio com os desabrigados, atividade que só poderá ocorrer durante período de enchente. Como ainda não foi possível concretizar este levantamento do modo de vida da comunidade que se instala nos abrigos temporários, substituímos tal interação por uma atividade desenvolvida no workshop. O resultado foi a montagem de uma prancha sobre a sequência dos acontecimentos da anormalidade à normalidade. O objetivo foi simular representações que contribuíssem ao levantamento das condições de vida durante o período da enchente, e ao mesmo tempo ajudou a criar empatia dos pesquisadores com os participantes. Visou estudar as interações sociais de uma comunidade temporária, buscando entender as pessoas, seus comportamentos, percepções e necessidades para gerar requisitos de projeto. A seqüência dos acontecimentos nos dias que duraram a inundação, segundo a experiência de agosto de 2011, foi indicada por duas equipes, que geraram dois painéis distintos. Foram distribuídas cartas numeradas de 1 a 10 para organizar os fatos segundo os dias e cartas brancas para completar itens inexistentes; cartas desenvolvidas pelo NOAH que mostrava desenhos de algumas possibilidades de ações; recortes e imagens diversas que foram coladas em um grande rolo de papel branco por equipe e canetas para escrever na prancha. Somando as informações dos dois grupos, o primeiro dia da última enchente relatada foi na segunda-feira, dia 01 de Agosto de 2011, uma situação atípica, pois no inverno não é comum ocorrer fortes chuvas. Nesse dia receberam notícias sobre a cheia a partir da comunicação com conhecidos, familiares e órgãos públicos. O alerta é dado por um carro de som da prefeitura, que sai anunciando a cota do rio. Disseram que houve imprecisão quanto ao anúncio, sendo 13 e não 11 metros, o que leva alguns moradores a crer que não serão afetados. Inicia-se o processo de instalação em abrigos improvisados. No segundo dia houve maior movimentação da população, com retirada de bens para locais seguros, inclusive brinquedos e animais. Há mobilização de meios de transporte: caminhões para retirar a mobília das casas e barcos para o deslocamento na área rural. As dificuldades aumentam com a falta de comunicação e energia, enquanto a prefeitura inicia a assistência com serviços sociais de apoio e busca de reforços para abastecimento de água. O nível da água continua subindo, com isso algumas famílias que resistiram à saída dos seus lares ficaram isoladas ou subiram na laje ou cobertura. O terceiro dia foi considerado o auge, quando as atividades de assistência do Estado já estavam organizadas, com resgate por bombeiros e recebimento de doações. Oportunistas tiram proveito da situação, captando recursos e materiais como colchões, roupas, calçados e cobertores sem de fato precisarem. Com o desabastecimento dos mercados há inflação do preço de mercadorias necessárias como produtos de limpeza, velas e botas. Nesse dia muitos já estavam alojados na casa de conhecidos e parentes, ou abrigados em abrigos improvisados. Desde o início, a alimentação nos abrigos era organizada por merendeiras e o banho através da instalação de chuveiros extra abastecidos com água de caminhões pipa. Do quarto dia ao sétimo dia o nível da água já começava a baixar, mas ainda que não havia possibilidade de voltar para casa devido ao forte cheiro e muita lama. As pessoas iam avaliar suas perdas, desde alimentos, documentos, eletrodomésticos até veículos. A utilização dos caminhões pipa, veículos de resgate e dos equipamentos VAP eram insuficientes para a limpeza e retirada de lama das paredes e do chão. Mesmo contando com as doações da prefeitura, da Defesa Civil do Estado, e também de iniciativas privadas, a restituição dos serviços, do fornecimento de energia e infraestrutura urbana é muito lenta. Compreendeu-se que o uso dos abrigos nesta situação foi principalmente durante uma semana. As pessoas deslocam seus pertences para o local e o uso ocorre principalmente do segundo ao quarto dia. Do quarto ao sétimo dia ainda ficam nos abrigos, quando continuam as operações de assistência pela cidade. Somente no oitavo dia as pessoas começaram a voltar para casa, procurando retornar à normalidade. Devido ao abrigamento ocorrer através de uso adaptado em edifícios públicos como ginásios, escolas e igrejas, o desconforto força as pessoas a retornarem rapidamente para casa. Nota-se ainda que as casas não são destruídas pela enchente e que as perdas limitamse aos bens móveis, gerando uma certa acomodação quanto à resistência em permanecer no mesmo imóvel mesmo conhecendo sua suscetibilidade às enchentes. Figura 3: Enchente na cidade de Eldorado (SP) no Vale do Ribeira em agosto de 2011, a qual deixou cerca de 1.500 desabrigados e 6.000 desalojados. Foto: Taciana Mancio e Patricia Ramos (assessoria de imprensa da prefeitura de Eldorado). Figura 4: Refeições preparadas por merendeiras da prefeitura. Foto: Taciana Mancio e (assessoria de imprensa da prefeitura de Eldorado). Figura 5: Régua para marcação da altura em que o rio sobe. Foto: Lara Leite Barbosa. CAMINHOS QUE PODEM LEVAR A UM DESIGN COMPROMETIDO COM A REALIDADE LOCAL N este ano de 2011 muitos desastres atingiram índices máximos de i ntensidade, sem precedentes. O crescente nív el que a água dos rios a tinge durante as enchentes, assim como o tremor mais enfurecido de t erremotos tem como consequência destruições mais severas nos locais o nde ocorrem. Por mais que os órgãos administrativos e a população a dotem medidas preventivas, e les continuam sendo surpreendidos pela f orça cada vez maior dos desastres naturais. U m primeiro valor a se estipular são, portanto, das escalas do desastre e m conjunto com o momento em que atingiu determinada cidade. Para a c ompreensão do desastre, a professora Norma Valêncio1 apresenta t rês d iferentes definições que colocam como aspecto central paradigmas d istintos, alterando os significados e a maneira como as pessoas p ercebem o problema (VALÊNCIO, N. et al., 2009). A d efinição do problema é delimitada a partir da solução que se p retende dar. No primeiro paradigma, o desastre é colocado como a gente externo a meaçador: o desastre é definido como uma “situação e xtraordinária na qual o c otidiano das pessoas é s ubitamente i nterrompido, de modo que as necessidades de proteção, nutrição, r oupas, abrigo, cuidados médicos e sociais são demandadas”. N o segundo paradigma, o desastre é tido como expressão social da vulnerabilidade: o d esastre é uma “situação que e nvolve danos e/ou p erdas d e vidas que ultrapassam determinados valores ou número de m ortes”. N o terceiro paradigma, o desastre é percebido como um estado de i ncertezas g eradas pelas instituições: o desastre representa um “ sinônimo de perda da ordem pública, razão pela qual a s egurança p ública s eria a maior prioridade… independentemente da avaliação dos f enômenos que causaram os problemas”. 1 Norma Felicidade Lopes da Silva Valêncio- Possui graduação em Ciências Econômicas pela PUCCAMP(1985), mestrado em Educação pela UNICAMP(1988) e doutorado em Ciências Sociais pela UNICAMP(1993). É p reciso refletir sobre qual é o a specto central a ser trabalhado. D evemos considerar o desastre não apenas circunscrito à ameaça das c huvas, mas que são configurados por relações sociais que se p rolongam no tempo e necessitam de monitoramento do processo de r econstrução. (VALÊNCIO, N . et al., 2009). O processo de transição p ara catástrofe é um fator que não pode ser esquecido. A segunda preocupação se refere à duração das situações de abrigamento dos desabrigados. Estudiosos da área, como o Professor Ian Davis2 compreendem que o processo de recuperação após o desastre consiste em três estágios de abrigamento ou de tipos de habitações possíveis: 1- Abrigo de emergência ou abrigo temporário com provisão de alimentos e atendimento médico; 2- Habitação temporária ou transitória, com o restabelecimento da vida cotidiana; 3- Habitação permanente após meses de reconstrução. Em recente Workshop “Improving Learning and Practice in the Humanitarian Shelter Sector”, realizado em dezesseis e dezessete de setembro de 2010 no CENDEP, na Oxford Brookes University, Ian Davis questiona: É possível pular para o 3o estágio diretamente? Neste caso, uma boa dose de planejamento, preparação e conhecimento dos fatores locais são pré-requisitos para o sucesso do empreendimento. Foi observado que diferentes tipos de catástrofes causam danos que podem ser mais ou menos temporários, fazendo com que as pessoas sejam removidas temporariamente das suas casas ou até mesmo impedindo o seu retorno para sua antiga moradia. Este fato muitas vezes é reforçado pela reincidência, ou seja, o processo de saída e retorno a estas áreas de risco se torna crônico. No caso de Eldorado, o desabrigamento dura cerca de 7 a 14 dias e a repetição deste ciclo tende a se repetir com maior frequência. Foram registradas intensas chuvas que atingiram a região nos anos de 1954, 1965, 1973, 1983, 1987, 2 Pesquisador com 40 anos de experiência em abrigos para desastres. Senior Professor em gerenciamento de riscos em desastres para o desenvolvimento sustentáve l no Lund University Centre for Disaster Risk Assessment and Management (LUCRAM) na Suécia e Professor visitante nas Univeridades de Cranfield, Oxford Brookes e Kyoto. 1990, 1995, 1997, 1998, 2010 e 2011. Assim como na medicina, para tratar e curar um processo crônico o curso deve ser invertido, ou em outras palavras, os mecanismos de reabilitação da região devem ser reativados. O diagnóstico fornece a transformação, porque quando você sente os sintomas agudos do problema na área afetada precisará haver reações de alerta e de defesa. No workshop os moradores sugeriram algumas medidas que podem ser tomadas para melhorar o uso de futuros abrigos e a preparação da cidade de Eldorado para enfrentar futuras enchentes: Apostam na construção de abrigos (galpões) na área alta com suporte de banheiros, cozinha e espaço para armazenamento de seus bens que são retirados da casa para não estragarem com a enchente. Sugerem terrenos na área industrial do município e no morro da parabólica; Requerem instrumentos de monitoramento e de comunicação sobre as cotas afetadas com a cheia do rio em certos pontos da cidade. Necessitam de mais informações sobre quando devem deixar suas casas. Nas palavras do morador Leonardo Pinto da Cunha
-